A bem da verdade, tudo funciona em "Jóia rara", desde a trama central até as paralelas, que caminham fluentemente não apenas para enrolar e passar o tempo - como o faz Carrasco em sua novela - mas porque tem vida própria e estão organicamente ligadas aos protagonistas. Até mesmo os núcleos cômicos, que normalmente soam falsos quando não existe inteligência para mantê-los, são engraçados e funcionais - e muito desse sucesso vem do equilíbrio entre texto, elenco talentoso e direção firme. Aliás, a direção pode ser considerada um dos pontos mais altos da novela de Guedes e Rachid: assim como o fez em "Avenida Brasil", Amora Mautner conduz seus atores no tênue limite entre o naturalismo da novela de João Emanuel Carneiro e o classicismo que o texto romântico de "Jóia rara" propõe, além de ser a principal responsável pelo extremo bom gosto visual da novela.
A fotografia de "Jóia rara" é espetacular. Desde os primeiros capítulos, no Nepal, até os apresentados recentemente, passados no Rio de Janeiro pós II Guerra, o visual criado pela produção é deslumbrante, fugindo do tradicional tom neutro que, logicamente, não combinaria com a mescla de romantismo e misticismo que circunda a história central. O cuidado com os detalhes enche os olhos da audiência: os figurinos e os cenários seguem o padrão de qualidade global, mas sente-se nitidamente que a obsessão com a reconstituição de época correta não afeta em nada o cuidado com a emoção - que transborda sem parecer piegas no texto excelente das autoras, que não abdicam de nenhuma das regras básicas do folhetim para contar uma história humana, simples e recheada de personagens críveis interpretados por um elenco de ouro.
Como casal central, Bruno Gagliasso e Bianca Bin funcionam às mil maravilhas. Bin, inclusive, deixa pra trás a péssima impressão de sua atuação como a vilã Carolina do remake desastroso de "Guerra dos sexos", fazendo de sua Amelinha uma mulher forte e determinada como deve ser uma boa mocinha de folhetim. Os vilões, Carmo Dalla Vecchia e José de Abreu não deixam a desejar - se o segundo não precisa provar mais nada a ninguém (especialmente depois de seu genial Nilo, de "Avenida Brasil"), o primeiro dá suas escorregadas nas caras e bocas, mas de certa forma elas cabem na sua construção do recalcado Manfred, que encontra na fantástica Ana Lúcia Torre uma comparsa à altura. Os demais pares românticos também merecem destaque: Mariana Ximenes brilha com sua Aurora Lincoln apaixonada pelo veterano de guerra paraplégico Davi (Leandro Lima), Nathalia Dill encontrou o tom certo de sua Silvia, vilã apaixonada pelo filho de seu desafeto (Rafael Cardoso) e até mesmo o romance proibido entre o monge Sonan (Caio Blat) e a desinibida Matilde (Fabíula Nascimento, ótima) convence sem precisar nem mesmo de um beijo. Ao redor de todas essas histórias de amor - essenciais a uma boa novela - circulam personagens trágicos (como Gaia, a sobrevivente do Holocausto vivida por Ana Cecília Costa que retorna ao Brasil e encontra o marido casado com outra mulher) e engraçados (como Joel, o empresário de Aurora, vivido com graça por Marcelo Médici). Os destaques são inúmeros, mas é impossível não dar a devida atenção à pequena Mel Maia.
Revelada em "Avenida Brasil", Mel é um destaque à parte em "Jóia rara": no papel crucial de Pérola, a menina que é a reencarnação de um monge budista dá um show de talento e naturalidade, fazendo de sua personagem algo encantador. Por causa dela - e da atmosfera bem criada por texto e direção - o tom místico da história soa verdadeiro: em nenhum momento se duvida dos poderes de Pérola de curar as pessoas que ama ou ter premonições - e mesmo quem não se deixa seduzir por esse tom religioso tem muito mais a admirar, inclusive a excepcional trilha sonora, que resgata grandes nomes da MPB em gravações originais. Em quantos programas de hoje você consegue ouvir Elis, Caetano, Gil, Bethânia, Milton Nascimento, Chico Buarque e Zizi Possi?
"Jóia rara" é uma novela. Simples assim. Tem o bem e o mal definidos, núcleo cômico funcional, histórias de amor e um pano de fundo histórico que não invade o que a dramaturgia tem de bom. Maniqueísta? Talvez, mas nada paga a chance de se torcer claramente por um final feliz. Aprenda, Walcyr Carrasco.
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