ESPELHO MÁGICO
Pro bem ou pro mal, a televisão já é, indelevelmente, parte do cotidiano de todos nós. Aqui você encontrará textos críticos sobre programas de TV - novos e antigos -, trilhas sonoras, livros a seu respeito e um canal de bate-papo para discutir as qualidades e defeitos da máquina de fazer doido.
quinta-feira, 10 de novembro de 2016
DENISE FRAGA - TALENTO EM TODAS AS FRENTES
Quem foi pego de surpresa com a aparição de Denise Fraga nos primeiros capítulos da novela "A lei do amor" como a sofrida e doente mãe da protagonista Helô (então interpretada por Isabelle Drummond) pode até não saber, mas a atriz, mais conhecida por seu talento cômico - reforçado por anos à frente de quadros do "Fantástico", como "Retrato falado" e "Norma", ambos dirigidos por seu marido, Luiz Villaça - também não brinca em serviço quando o negócio é fazer chorar. Na minissérie "Queridos amigos" (2008), de Maria Adelaide Amaral, por exemplo, ela emocionou o público na pele de Beatriz, uma sobrevivente da ditadura militar, e no cinema e no teatro, explora com maestria sua tendência em equilibrar no mesmo personagem o que ele tem de humor e drama. Em seu filme mais recente, "De onde te vejo" (novamente sob o comando do marido), ela e Domingos Montagner dão um show, equilibrando pura comédia com cenas românticas e dramáticas na medida certa - uma característica que faz dela uma das grandes atrizes de sua geração.
Carioca de nascimento e paulista por afinidade, Denise Fraga nasceu em 15 de outubro de 1964 e em 1986 já conheceu o sucesso absoluto de público ao interpretar Olímpia, a empregada doméstica que tornou-se mania no teatro, graças à peça "Trair e coçar, é só começar", de Marcos Caruso e Jandira Martini. Seu brilhante desempenho fez do espetáculo um êxito inquestionável e lhe ocupou por longos seis anos. Nesse meio-tempo, ela também começou a cativar o público televisivo: primeiro como a hilariante Lalinha, irmã de Luiz Fernando (Paulo Castelli), na novela "Bambolê" (87/88), de Daniel Más; e depois como a funkeira Ritinha em "Barriga de aluguel" (90/91), de Glória Perez. Entre as duas novelas, exercitou seu lado comediante na segunda fase do saudoso "TV Pirata", e só retornou de vez à Globo em 2000 como Meg, em "Uga uga", de Carlos Lombardi. Nesse longo período, não se afastou da televisão - fez duas novelas no SBT, "Éramos seis" (94) e "Sangue do meu sangue" (95) - nem do teatro, além de ter começado também um caso de amor com o cinema. Seu trabalho no filme "Por trás do pano", de 1999, lhe rendeu prêmios nos festivais de cinema de Gramado e Havana, além da estatueta do Grande Prêmio Cinema Brasil. E esteve também no elenco do grande sucesso "O Auto da Compadecida" (2000), de Guel Arraes, que deu certo tanto na televisão quanto nas salas de cinema.
Com a carreira em nova e vitoriosa fase, Fraga embarcou de vez na sétima arte, com produções despretensiosas como "Cristina quer casar" (03) e "Como fazer um filme de amor", e tornou-se protagonista de quadros especiais do "Fantástico", que misturavam dramaturgia com reportagem. "Retrato falado" permaneceu no programa por cinco anos, sendo substituído ´em 2006 por "Copas de Mel", em 2007 por "Te quiero, América", e em 2009 por "Norma". Em 2008, encarou seu primeiro papel totalmente dramático na TV, na já citada "Queridos amigos" - e parecia estar reinventando-se diante do grande público (aquele que não frequenta teatro regularmente e tem certas restrições ao cinema nacional). Virou protagonista em série de TV por assinatura ("Três Teresas", da GNT), encarou outro personagem assombrado pela ditadura, no filme "Hoje", de Lúcia Murat, e viu sua série "A mulher do prefeito", que fez ao lado do veterano Tony Ramos, ser indicada ao Emmy internacional. No teatro, esteve recentemente em três peças aplaudidas pela crítica e pelo público: em "Sem pensar", falava sobre o afastamento das famílias em um mundo cada vez mais regido pelo virtual; em "Chorinho", ao lado de Cláudia Mello, vivia uma sem-teto que fazia amizade com uma aposentada de classe média; e em "Galileu Galilei", desafiou as normas ao interpretar um personagem masculino: o próprio cientista considerado herege pela Igreja católica. Um desafio até pequeno para quem já encarou até mesmo a icônica "Procurando Godot", de Samuel Beckett e não tem medo de enfrentar desafios.
Uma das atrizes mais carismáticas e talentosas do Brasil, Denise Fraga é um caso raro de intérprete que não precisou atrelar seu nome às novelas para firmar-se e conquistar o público. Transitando livremente entre os mais diversos veículos - sempre imprimindo sua personalidade a cada trabalho - tem seu nome reconhecido e admirado a cada aparição na telinha. Impossível não gostar!
terça-feira, 8 de novembro de 2016
"HAJA CORAÇÃO" - MUITOS ALTOS E POUCOS BAIXOS
A Globo tem um histórico complicado em relação aos remakes de suas novelas. Para cada caso de sucesso - como "Ti-ti-ti", que Maria Adelaide Amaral reescreveu em 2010 mantendo o frescor e lhe conferindo personalidade própria e "O rebu", que atualizou a obra de Jorge Andrade com inteligência e ritmo - existe uma lista de produções constrangedoras, como "Irmãos Coragem" (95), "Pecado capital" (98) e "Saramandaia" (13), que, por motivos os mais variados, não conseguiram manter a qualidade dos originais e decepcionaram os noveleiros de plantão. Portanto, quando foi anunciado que a emissora estava em vias de regravar "Sassaricando", escrita por Sílvio de Abreu em 87/88, muita gente colocou as barbas de molho. Primeiro porque a novela original não foi um sucesso tão retumbante assim - apesar de legar à teledramaturgia algumas personagens icônicas, como Tancinha e Fedora Abdala e jogar suas intérpretes Cláudia Raia e Cristina Pereira direto no saudoso "TV Pirata", ao lado do colega de elenco Diogo Vilela. Segundo porque o autor escalado para a missão, Daniel Ortiz, só tinha no currículo uma única novela como titular, a agradável "Alto astral" (14). E terceiro porque a última vez em que uma trama de Abreu tentou voltar às telinhas o resultado foi a desastrosa "Guerra dos sexos" (12), que simplesmente ignorou as mudanças ocorridas nas três décadas que separavam as duas versões e tornou-se um fiasco vergonhoso.
A notícia de que Ortiz não escreveria um remake normal, e sim faria uma espécie de reinvenção da trama não ajudou muito. Era uma decisão questionável, mas a estreia da novela, em maio, deixou claro que foi a mais apropriada. Ao manter algumas ideias centrais intactas e modificar outras, ao alterar a personalidade de alguns personagens e acrescentar outros (além de roubar a Shirley interpretada com graça por Sabrina Petraglia de outra novela de Sílvio de Abreu, a polêmica "Torre de Babel", de 1998), Daniel Ortiz conseguiu o que parecia impossível: melhorar a novela original, limando da sinopse uma trama policial desnecessária (que envolvia um marido misterioso para a protagonista Rebeca, vivida então por Tônia Carrero), enfatizando seu humor e espalhando elementos clássicos de folhetins (segredos, amores proibidos, vilões cruéis) por uma agradável temporada de seis meses que jamais esbarrou nas temidas barrigas e ainda proporcionou bons momentos a quem buscava um entretenimento leve e despretensioso em frente à TV. Apesar do último capítulo sofrível - apressado, com alguns buracos e um desfecho romântico que desagradou à muita gente - "Haja coração" termina sua trajetória com um crédito considerável e que mostra que seu autor, equilibrando com sabedoria tudo que se espera de uma telenovela e algumas novidades que conquistam um público menos paciente, tem um futuro promissor.
No final, entre mortos e feridos salvaram-se (quase) todos. Entre altos (muitos) e baixos (poucos), "Haja coração" divertiu e prendeu a atenção dos fãs de uma boa novela, que ofereceu tudo que algo do gênero não pode se furtar a oferecer: romance, drama, humor e uma pequena dose de suspense. Vamos agora destacar o que vai deixar saudades e o que já vai tarde.
EM ALTA:
MARIANA XIMENES: Linda e talentosa, Ximenes fez o que parecia impossivel: reviver um dos personagens mais marcantes da carreira de Cláudia Raia, a sexy feirante Tancinha. Sem exagerar nos trejeitos - o que poderia lhe empurrar para uma caricatura pouco apropriada para nossos tempos - a atriz já mostrou nos capítulos iniciais que não estava para brincadeira, e conquistou o público com seu carisma inegável. Com uma participação especial como ela mesma, a própria Cláudia Raia deu a bênção à nova versão de sua inesquecível personagem.
TATÁ WERNECK & GABRIEL GODOY: Outro desafio cumprido com louvor, graças à química impecável entre seus dois atores. Tatá saiu-se bem até mesmo em cenas dramáticas, e Gabriel - que trabalhou com o autor em "Alto astral", como Afeganistão - se revelou um dos nomes mais quentes da nova geração. Interpretados por Cristina Pereira (outra que também aprovou a substituta contracenando com ela) e Diogo Vilela em 1987, Fedora Abdala e Leonardo Raposo foram responsáveis por alguns dos momentos mais engraçados da trama e certamente serão recompensados com a memória do telespectador.
SABRINA PETRAGLIA & MARCOS PITOMBO: A maior trama romântica de "Haja coração" surpreendeu até a própria emissora, que viu o quadrilátero amoroso Tancinha-Beto-Tamara-Apolo ser eclipsado por uma história de amor pura e nos moldes de Cinderela, com direito até mesmo a armações malignas de inimigas cruéis e prepotentes. Importada de "Torre de Babel", Shirley conquistou o público com seu coração puro e altruísmo à toda prova - e seu príncipe encantado também não fez por menos, mostrando-se um cavalheiro até as últimas consequências.
REFERÊNCIAS A OUTRAS TRAMAS: Como bom fã de novelas, Daniel Ortiz recheou sua história com referências bastante divertidas a outras obras da Globo. Exemplos? Quando Safira (Cristina Pereira) anuncia sua iminente chegada ao Brasil, os closes em seus olhos e boca enquanto fala ao telefone remetem à vilã-mor da dramaturgia nacional, Odete Roitman (Beatriz Segall), de "Vale tudo". Mais um? O grupo de fãs de BBB que confundem Rebeca (interpretada por Malu Mader) com a própria atriz, para desespero de sua amiga Leonora (Ellen Roche, ótima), eliminada do reality show antes mesmo de entrar na casa. Lances assim, mais momentos de metalinguagem ("Esse bordão é de outro núcleo!", brada a autoritária Teodora (Grace Gianoukas) em determinado momento) surpreendiam o espectador e serviam como motivo de riso inteligente.
NOVOS ROSTOS: Toda novela tem sua cota de novos atores, como forma de renovar o elenco para futuras produções. "Haja coração" não fugiu à regra, apresentando novos rostos ao lado de veteranos consagrados, como Alexandre Borges, Malu Mader e Marisa Orth (sensacional em registro dramático). Destaque para o já citado Gabriel Godoy, o excelente Paulo Tiefenthaler (como o hipocondríaco Rodrigo), o pouco aproveitado Johnnas Oliva (como o rejeitado Enéas) e Renata Augusta, dona de ótimos diálogos como a doméstica Dinalda. São nomes que o público espera rever em breve.
EM BAIXA:
MALVINO SALVADOR & JAYME MATARAZZO: Dois dos piores atores já escalados para novelas globais, foram responsáveis por alguns dos momentos mais constrangedores da trama. Malvino construiu um Apolo absolutamente inexpressivo (se bem que no original o papel era de Alexandre Frota, ou seja...) e repleto dos trejeitos irritantes que vem mostrando em toda a sua carreira. Suas cenas eram quase intragáveis - em especial ao lado de uma Cléo Pires particularmente sem sal. E Matarazzo, logicamente, só está onde está por puro e simples nepotismo. Basta dar uma olhada em seu "desempenho" em "Cheias de charme", reprisada à tarde, para ver que ele é sempre o mesmo chato canastrão. E contracenar com a fraquinha Agatha Moreira não ajudou em nada.
O FINAL ABRUPTO: Tudo parecia estar em perfeito controle. Daniel Ortiz conseguiu dar conta de todas as subtramas que criou, resolvendo-as aos poucos, sem deixar tudo para o final, como normalmente acontece em outras produções. E então, nos últimos capítulos, algo desandou. Fatos importantes - como o julgamento e a cirurgia de Shirley e o desfecho do reencontro entre Francesca (Marisa Orth) e Guido (Werner Schunemann) - foram praticamente ignorados ou tratados sem a devida importância. Um pequeno tropeço, mas que não chega a apagar as qualidades dos meses anteriores - e mais um aviso à Globo para que se preocupe um pouco mais com os finais de suas novelas.
sexta-feira, 10 de julho de 2015
"SETE VIDAS": UMA NOVELA PARA DEIXAR SAUDADES
Aqueles telespectadores que costumam reclamar que as novelas de hoje em dia perderam a capacidade de prender o público, que substituíram a emoção pela polêmica e que não dão atenção à qualidade do texto e dos personagens, preferindo sacrificar a coerência interna da história em favor da audiência, deveriam ter deixado o discurso pronto de lado e prestado atenção em "Sete vidas", a recém encerrada atração das 18h, escrita por Lícia Manzo e sua equipe de colaboradores: sem tentar inventar a roda, Manzo - autora também da igualmente humanista "A vida da gente" (11) - criou uma trama inteligente, forte e dotada de uma sensibilidade única, que a destacou como uma das mais interessantes produções globais dos últimos anos. Mais curta do que a média das novelas da emissora - acabou com 107 capítulos, o que a poupou da temida "barriga" e deixou a sensação de que vai deixar muita saudade - "Sete vidas" manteve os ingredientes clássicos do gênero (histórias de amor, relações familiares, traumas do passado), mas lançou sobre eles um novo viés, mais moderno e adequado à realidade. Retratando os diversos tipos de núcleos familiares - e revestindo todos eles com um olhar carinhoso mas nunca condescendente - Manzo contou uma história (ou várias histórias, dependendo do ponto de vista) sobre aquilo que todo mundo vive no cotidiano: o amor, a amizade e sobre, parafraseando Caetano, a dor e a delícia de se ser o que é.
Seguindo um estilo consagrado por Manoel Carlos - que há muito tempo perdeu a mão e não consegue repetir o sucesso de um filão que ele mesmo criou - Lícia Manzo não apela para tramas folhetinescas que envolvem vilões vingativos, disputas aborrecidas por presidências de empresas ou assassinatos misteriosos para garantir sua audiência. Sua matéria-prima são os sentimentos, as dubiedades de cada personagem, seus dramas pessoais, seu sofrimento em relação a problemas banais como pagar as contas, conquistar o amor da pessoa amada, lidar com o abandono, buscar a realização profissional e fazer as pazes com o passado, entre outras encruzilhadas capazes de despertar a identificação de quem quer que seja. Seu trabalho não se destaca por ganchos engenhosos ao final de cada capítulo, e sim pela delicadeza com que costura as teias que ligam seus personagens - todos, sem exceção, construídos com consistência e verossimilhança. Os desfechos que cria para seus dilemas não apelam para barracos constantes - quando existem, são do tamanho apropriado - e sim para conversas longas e bem fundamentadas (felizmente amparadas por um elenco que, aleluia, é formado por atores e não por modelos escalados a despeito de sua incapacidade dramática). Para alguns, pode soar chato e tedioso. Para outros - a imensa maioria que louvou a novela a cada capítulo via redes sociais e clama com urgência a escalação da autora para o horário nobre - foi um oásis de inteligência e poesia.
A trama simples e genialmente bem moldada por Manzo - um homem incapaz de criar raízes emocionais devido a um trauma familiar do passado se torna o responsável involuntário pela união de sete filhos que gerou com uma série de doações a um banco de sêmen, no passado - encontrou na direção minimalista de Jayme Monjardim a parceria ideal. Sem o peso do horário das nove sobre os ombros, Monjardim pode dar à novela um ar menos ambicioso, que combinou com perfeição a trilha sonora de qualidade, a abertura despretensiosa, a fotografia ensolarada (ou, em alguns casos, gélida como um iceberg) e a forma de lidar com as subtramas - todas com um grau de interesse forte o bastante para sustentar-se independentemente da história central. Durante os quatro meses em que esteve no ar, "Sete vidas" discutiu, entre outros assuntos, a homossexualidade (sem alarde e de maneira respeitosa com o público e com os personagens), anorexia, a exploração filial, casamentos em crise, alienação parental, adoção, amor na terceira idade e doação de órgãos, sem que transformasse essas discussões em tribunais inquisitórios didáticos e/ou enfadonhos. Era comum ao telespectador ver-se, por exemplo, diante de uma longa conversa sobre as dificuldades de um relacionamento que não chegasse a nenhum resultado prático ou um diálogo a respeito de um livro ou de um filme (que não, não eram autoajuda plantada na trama por jabá ou uma comédia infeliz produzida pela Globo Filmes, mas sim obras de autores como Ian McEwan e Fernando Pessoa e maravilhas como o iraniano "A separação" e os filmes de Chaplin). Assim era o texto da autora: realista, mas poético. Inteligente e nunca maniqueísta.
E tal texto, o sonho de qualquer ator, encontrou em seu elenco os atores dos sonhos de sua autora. Com raras exceções (Jayme Matarazzo ainda bem fraco e Fernando Alves Pinto incapaz de transmitir qualquer tipo de emoção), os personagens de "Sete vidas" encontraram intérpretes à altura do desafio de refletir na telinha as emoções reais de gente como a gente. Deborah Bloch - cada vez melhor atriz e linda - segurou firme o papel de protagonista feminina, dando à sua Lígia a força e determinação necessárias para lidar com a gangorra emocional de seu par, o verdadeiro centro da narrativa, Miguel (Domingos Montagner em papel ingrato mas de grande coerência psicológica). Isabelle Drummond mostrou mais uma vez que é uma aposta certa da Globo na nova geração, fazendo de sua Júlia uma heroína romântica sem o ranço passivo das produções do passado. Regina Duarte fez uma volta triunfal à televisão como Ester, uma mãe corajosa e compreensiva que, após a morte da esposa, volta ao Brasil e precisa lidar com as personalidades conflitantes dos filhos gêmeos, o reservado Luís (Thiago Rodrigues em seu melhor trabalho até agora) e Laila (Maria Eduarda Carvalho, um dos maiores destaques da novela). Além disso, foi bom ver a chance dada a atores novos e talentosos como Ghilherme Lobo - do filme "Hoje eu quero voltar sozinho" - como o rebelde Bernardo, Letícia Colin, convincente como a hesitante modelo Elisa - que viu sua trama sobre anorexia ser boicotada pela emissora - e o argentino Michel Noher, que repetiu em cena a relação pai/filho com o ator Jean-Pierre Noher. Dentre tantos destaques, eles se mostraram preparados para novos trabalhos - e é sempre um prazer ver Jesuíta Barbosa em cena, mesmo que apenas em flashbacks.
Alguns críticos reclamaram do excesso de voz feminina na trama, em detrimento do desenvolvimento dos personagens masculinos. Bobagem. A opção de Lícia Manzo em contar sua história sob o ponto de vista das mulheres - de classes sociais, graus de instrução e anseios diversos - é válida e inteligente: o público feminino ainda é o mais fiel ao gênero e o tom da narrativa, leve e delicado, é muito mais adequado a ele. Além do mais, é uma falácia acusar a autora de não dar importância aos homens da trama, uma vez que tudo tem origem nos traumas de Miguel - um personagem riquíssimo em seu comportamento errático - e que cinco de seus filhos são homens - todos com uma cota bem saudável de problemas, com a possível exceção do pequeno e encantador Joaquim, único fruto de uma relação estável. Talvez esses detratores estejam tão acostumados com personagens mal-escritos que não conseguem enxergar uma pérola nem diante dos olhos. Sorte daqueles que, como os órfãos de "Sete vidas", ainda tem essa percepção.
Seguindo um estilo consagrado por Manoel Carlos - que há muito tempo perdeu a mão e não consegue repetir o sucesso de um filão que ele mesmo criou - Lícia Manzo não apela para tramas folhetinescas que envolvem vilões vingativos, disputas aborrecidas por presidências de empresas ou assassinatos misteriosos para garantir sua audiência. Sua matéria-prima são os sentimentos, as dubiedades de cada personagem, seus dramas pessoais, seu sofrimento em relação a problemas banais como pagar as contas, conquistar o amor da pessoa amada, lidar com o abandono, buscar a realização profissional e fazer as pazes com o passado, entre outras encruzilhadas capazes de despertar a identificação de quem quer que seja. Seu trabalho não se destaca por ganchos engenhosos ao final de cada capítulo, e sim pela delicadeza com que costura as teias que ligam seus personagens - todos, sem exceção, construídos com consistência e verossimilhança. Os desfechos que cria para seus dilemas não apelam para barracos constantes - quando existem, são do tamanho apropriado - e sim para conversas longas e bem fundamentadas (felizmente amparadas por um elenco que, aleluia, é formado por atores e não por modelos escalados a despeito de sua incapacidade dramática). Para alguns, pode soar chato e tedioso. Para outros - a imensa maioria que louvou a novela a cada capítulo via redes sociais e clama com urgência a escalação da autora para o horário nobre - foi um oásis de inteligência e poesia.
A trama simples e genialmente bem moldada por Manzo - um homem incapaz de criar raízes emocionais devido a um trauma familiar do passado se torna o responsável involuntário pela união de sete filhos que gerou com uma série de doações a um banco de sêmen, no passado - encontrou na direção minimalista de Jayme Monjardim a parceria ideal. Sem o peso do horário das nove sobre os ombros, Monjardim pode dar à novela um ar menos ambicioso, que combinou com perfeição a trilha sonora de qualidade, a abertura despretensiosa, a fotografia ensolarada (ou, em alguns casos, gélida como um iceberg) e a forma de lidar com as subtramas - todas com um grau de interesse forte o bastante para sustentar-se independentemente da história central. Durante os quatro meses em que esteve no ar, "Sete vidas" discutiu, entre outros assuntos, a homossexualidade (sem alarde e de maneira respeitosa com o público e com os personagens), anorexia, a exploração filial, casamentos em crise, alienação parental, adoção, amor na terceira idade e doação de órgãos, sem que transformasse essas discussões em tribunais inquisitórios didáticos e/ou enfadonhos. Era comum ao telespectador ver-se, por exemplo, diante de uma longa conversa sobre as dificuldades de um relacionamento que não chegasse a nenhum resultado prático ou um diálogo a respeito de um livro ou de um filme (que não, não eram autoajuda plantada na trama por jabá ou uma comédia infeliz produzida pela Globo Filmes, mas sim obras de autores como Ian McEwan e Fernando Pessoa e maravilhas como o iraniano "A separação" e os filmes de Chaplin). Assim era o texto da autora: realista, mas poético. Inteligente e nunca maniqueísta.
E tal texto, o sonho de qualquer ator, encontrou em seu elenco os atores dos sonhos de sua autora. Com raras exceções (Jayme Matarazzo ainda bem fraco e Fernando Alves Pinto incapaz de transmitir qualquer tipo de emoção), os personagens de "Sete vidas" encontraram intérpretes à altura do desafio de refletir na telinha as emoções reais de gente como a gente. Deborah Bloch - cada vez melhor atriz e linda - segurou firme o papel de protagonista feminina, dando à sua Lígia a força e determinação necessárias para lidar com a gangorra emocional de seu par, o verdadeiro centro da narrativa, Miguel (Domingos Montagner em papel ingrato mas de grande coerência psicológica). Isabelle Drummond mostrou mais uma vez que é uma aposta certa da Globo na nova geração, fazendo de sua Júlia uma heroína romântica sem o ranço passivo das produções do passado. Regina Duarte fez uma volta triunfal à televisão como Ester, uma mãe corajosa e compreensiva que, após a morte da esposa, volta ao Brasil e precisa lidar com as personalidades conflitantes dos filhos gêmeos, o reservado Luís (Thiago Rodrigues em seu melhor trabalho até agora) e Laila (Maria Eduarda Carvalho, um dos maiores destaques da novela). Além disso, foi bom ver a chance dada a atores novos e talentosos como Ghilherme Lobo - do filme "Hoje eu quero voltar sozinho" - como o rebelde Bernardo, Letícia Colin, convincente como a hesitante modelo Elisa - que viu sua trama sobre anorexia ser boicotada pela emissora - e o argentino Michel Noher, que repetiu em cena a relação pai/filho com o ator Jean-Pierre Noher. Dentre tantos destaques, eles se mostraram preparados para novos trabalhos - e é sempre um prazer ver Jesuíta Barbosa em cena, mesmo que apenas em flashbacks.
Alguns críticos reclamaram do excesso de voz feminina na trama, em detrimento do desenvolvimento dos personagens masculinos. Bobagem. A opção de Lícia Manzo em contar sua história sob o ponto de vista das mulheres - de classes sociais, graus de instrução e anseios diversos - é válida e inteligente: o público feminino ainda é o mais fiel ao gênero e o tom da narrativa, leve e delicado, é muito mais adequado a ele. Além do mais, é uma falácia acusar a autora de não dar importância aos homens da trama, uma vez que tudo tem origem nos traumas de Miguel - um personagem riquíssimo em seu comportamento errático - e que cinco de seus filhos são homens - todos com uma cota bem saudável de problemas, com a possível exceção do pequeno e encantador Joaquim, único fruto de uma relação estável. Talvez esses detratores estejam tão acostumados com personagens mal-escritos que não conseguem enxergar uma pérola nem diante dos olhos. Sorte daqueles que, como os órfãos de "Sete vidas", ainda tem essa percepção.
segunda-feira, 20 de abril de 2015
"BABILÔNIA" É A MELHOR NOVELA DA GLOBO EM ANOS
Tendo ultrapassado a barreira dos trinta primeiros capítulos, a novela "Babilônia" - que já estreou sob uma saraivada de pedras atiradas por políticos oportunistas, pastores evangélicos hipócritas e preconceituosos de todos os formatos (não por acaso todos retratados sob viés crítico no roteiro) - ainda não atingiu os índices de audiência esperados pela Rede Globo que, burramente, já providenciou grupos de discussão (também conhecidos como reuniões para desocupados cuja referência em qualidade dramatúrgica é "O direito de nascer") para alterar a trama prevista na sinopse dos autores. Isso quer dizer, em poucas palavras, que boa parte do que faz a novela ser tão boa está com os dias contados, e o que poderia ser um marco contra a intolerância e o retrocesso social periga tornar-se apenas mais uma novela das 21h. Para sorte de todos os telespectadores de bom gosto, porém, existe o consolo de que a pior novela de Gilberto Braga (o que não é o caso aqui) é mil vezes superior à melhor de Aguinaldo Silva - e é sintomático que a antecessora de "Babilônia", a tenebrosa "Império", tenha sido escrita por ele, que em bons tempos, colaborou com Braga na melhor novela de todos os tempos, a insuperável "Vale tudo", também co-escrita por Leonor Bassères.
Em seu primeiro mês no ar, "Babilônia" já foi acusada de tudo pelos detratores, desde tentar destruir a tradicional família brasileira - aquela mesma que nem se abalou quando um filho matou o pai pelas costas na novela anterior ou que achava normal o troca-troca de casais de "Amor à vida", atrocidade cometida por Walcyr Carrasco pouco antes - até de ter uma mocinha chata - como se a Morena de "Salve Jorge" e a Paloma da novela de Carrasco fossem exemplos de protagonistas empolgantes (e vale lembrar que Nanda Costa e Paolla Oliveira, suas intérpretes, não chegam aos pés do talento de Camila Pitanga, a heroína da atual produção global. O que esses críticos talvez não percebam - ou não queiram perceber, já que muitas vezes a ideologia política os cega às qualidades artísticas dos produtos globais - é que, em termos dramatúrgicos, a trama escrita por Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga é a mais inteligente a surgir nas telinhas desde o final de "Avenida Brasil", de João Emmanuel Carneiro - que acabou no primeiro semestre de 2013, ou seja, há longínquos dois anos. Bem escrita, bem dirigida, visualmente atraente e com um elenco acima de qualquer crítica (salvo exceções), "Babilônia" é um novelão que merece conquistar sua audiência - mesmo que, para isso, tenha que, infelizmente, alterar algumas de suas histórias originais.
O que provavelmente mais incomoda aos telespectadores que abandonaram a Globo no horário nobre - há que se levar em consideração também a concorrência da Internet, transmissões em streaming, canais a cabo, etc - é o fato de que suas duas protagonistas - a Beatriz de Glória Pires e a Inês de Adriana Esteves (ambas excelentes) - não são exemplos a serem seguidos. Beatriz é uma devoradora de homens, trai o marido sem pena nem dó, desvia dinheiro de sua empreiteira e só agora parece estar no caminho de mudar sua rotina de manda-chuva, ao se envolver com Diogo (Thiago Martins), o jovem atleta patrocinado pela empresa da família. E Inês recentemente colocou as cartas na mesa para o telespectador, anunciando uma vingança contra a ex-melhor amiga de adolescência - uma vingança, aliás, semelhante àquela que Laura (Cláudia Abreu) tramou contra Maria Clara Diniz (Malu Mader) em "Celebridade", que Braga escreveu em 2003. A batalha entre as duas é a base da novela - olho por olho, dente por dente - e quem foge desses desvios de caráter é a terceira personagem central, Regina (Camila Pitanga), que batalha para criar a filha pequena e sobreviver de forma honesta. É surpreendente e paradoxal que o público rejeite Inês e Beatriz porque elas são "do mal" e pouco se importe com Regina porque "ela é chata". Povinho difícil de agradar!
E nem vou entrar no mérito das polêmicas levantadas nesse primeiro mês - aliás, primeiro capítulo, que mostrou, para o choque das senhoras de Santana, um beijo na boca entre duas mulheres. Se tivesse sido um beijo entre dois símbolos sexuais de peitos inchados de silicone, provavelmente a reação seria entusiástica. Mas não foi. Quem se beijou foram duas mulheres de 80 anos, que vivem uma relação estável há 35 e se amam - e são vividas por dois monumentos das artes cênicas nacionais, Fernanda Montenegro e Nathalia Thimberg. O resultado? Gritaria geral por parte dos conservadores - inclusive políticos cujos nomes estão envolvidos em escândalos de corrupção. E políticos corruptos também não faltam na novela, representados pelo demagogo Aderbal Pimenta (Marcos Palmeira em sua melhor atuação em muito tempo), que nas horas vagas invoca o nome de Deus para justificar seus preconceitos - assim como sua mãe, vivida por uma excelente Arlete Salles, que não hesita em disparar barbaridades contra gays, ateus e quem mais cruzar seu caminho sem compactuar com suas ideias retrógradas. Não é à toa a baixa audiência! Quem é que gosta de se ver ridicularizado em horário nobre?
"Babilônia", reitero, é uma grande novela. Tem personagens bem delineados, tramas bem amarradas, ideias muito inteligentes, uma trilha sonora que é um respiro frente aos funks, sertanejos e pagodes enfiados garganta adentro pelos programas de auditório e um elenco fascinante recitando diálogos que soam como música. É um presente ver, diariamente, nomes como Fernanda Montenegro, Nathalia Thimberg, Glória Pires, Adriana Esteves, Cássio Gabus Mendes, Arlete Salles, Bruno Gagliasso e Débora Duarte - entre vários outros atores e atrizes de experiências variadas. É de graça. Massageia o cérebro - dentro dos limites do que pode fazer uma simples telenovela - e entretém. Como assim tem gente que ainda preferia estar assistindo àquela bobagem que era transmitida antes???
Em seu primeiro mês no ar, "Babilônia" já foi acusada de tudo pelos detratores, desde tentar destruir a tradicional família brasileira - aquela mesma que nem se abalou quando um filho matou o pai pelas costas na novela anterior ou que achava normal o troca-troca de casais de "Amor à vida", atrocidade cometida por Walcyr Carrasco pouco antes - até de ter uma mocinha chata - como se a Morena de "Salve Jorge" e a Paloma da novela de Carrasco fossem exemplos de protagonistas empolgantes (e vale lembrar que Nanda Costa e Paolla Oliveira, suas intérpretes, não chegam aos pés do talento de Camila Pitanga, a heroína da atual produção global. O que esses críticos talvez não percebam - ou não queiram perceber, já que muitas vezes a ideologia política os cega às qualidades artísticas dos produtos globais - é que, em termos dramatúrgicos, a trama escrita por Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga é a mais inteligente a surgir nas telinhas desde o final de "Avenida Brasil", de João Emmanuel Carneiro - que acabou no primeiro semestre de 2013, ou seja, há longínquos dois anos. Bem escrita, bem dirigida, visualmente atraente e com um elenco acima de qualquer crítica (salvo exceções), "Babilônia" é um novelão que merece conquistar sua audiência - mesmo que, para isso, tenha que, infelizmente, alterar algumas de suas histórias originais.
O que provavelmente mais incomoda aos telespectadores que abandonaram a Globo no horário nobre - há que se levar em consideração também a concorrência da Internet, transmissões em streaming, canais a cabo, etc - é o fato de que suas duas protagonistas - a Beatriz de Glória Pires e a Inês de Adriana Esteves (ambas excelentes) - não são exemplos a serem seguidos. Beatriz é uma devoradora de homens, trai o marido sem pena nem dó, desvia dinheiro de sua empreiteira e só agora parece estar no caminho de mudar sua rotina de manda-chuva, ao se envolver com Diogo (Thiago Martins), o jovem atleta patrocinado pela empresa da família. E Inês recentemente colocou as cartas na mesa para o telespectador, anunciando uma vingança contra a ex-melhor amiga de adolescência - uma vingança, aliás, semelhante àquela que Laura (Cláudia Abreu) tramou contra Maria Clara Diniz (Malu Mader) em "Celebridade", que Braga escreveu em 2003. A batalha entre as duas é a base da novela - olho por olho, dente por dente - e quem foge desses desvios de caráter é a terceira personagem central, Regina (Camila Pitanga), que batalha para criar a filha pequena e sobreviver de forma honesta. É surpreendente e paradoxal que o público rejeite Inês e Beatriz porque elas são "do mal" e pouco se importe com Regina porque "ela é chata". Povinho difícil de agradar!
E nem vou entrar no mérito das polêmicas levantadas nesse primeiro mês - aliás, primeiro capítulo, que mostrou, para o choque das senhoras de Santana, um beijo na boca entre duas mulheres. Se tivesse sido um beijo entre dois símbolos sexuais de peitos inchados de silicone, provavelmente a reação seria entusiástica. Mas não foi. Quem se beijou foram duas mulheres de 80 anos, que vivem uma relação estável há 35 e se amam - e são vividas por dois monumentos das artes cênicas nacionais, Fernanda Montenegro e Nathalia Thimberg. O resultado? Gritaria geral por parte dos conservadores - inclusive políticos cujos nomes estão envolvidos em escândalos de corrupção. E políticos corruptos também não faltam na novela, representados pelo demagogo Aderbal Pimenta (Marcos Palmeira em sua melhor atuação em muito tempo), que nas horas vagas invoca o nome de Deus para justificar seus preconceitos - assim como sua mãe, vivida por uma excelente Arlete Salles, que não hesita em disparar barbaridades contra gays, ateus e quem mais cruzar seu caminho sem compactuar com suas ideias retrógradas. Não é à toa a baixa audiência! Quem é que gosta de se ver ridicularizado em horário nobre?
"Babilônia", reitero, é uma grande novela. Tem personagens bem delineados, tramas bem amarradas, ideias muito inteligentes, uma trilha sonora que é um respiro frente aos funks, sertanejos e pagodes enfiados garganta adentro pelos programas de auditório e um elenco fascinante recitando diálogos que soam como música. É um presente ver, diariamente, nomes como Fernanda Montenegro, Nathalia Thimberg, Glória Pires, Adriana Esteves, Cássio Gabus Mendes, Arlete Salles, Bruno Gagliasso e Débora Duarte - entre vários outros atores e atrizes de experiências variadas. É de graça. Massageia o cérebro - dentro dos limites do que pode fazer uma simples telenovela - e entretém. Como assim tem gente que ainda preferia estar assistindo àquela bobagem que era transmitida antes???
sexta-feira, 13 de março de 2015
TRILHAS SONORAS INESQUECÍVEIS - O OUTRO
A novela, como todas as escritas por Aguinaldo Silva, com exceção de "Vale tudo" (88) - co-escrita por Gilberto Braga e Leonor Bassères - e "Tieta" (89), era um lixo. Chata, sem personalidade, com personagens rasos e uma trama central pra lá de batida contada com preguiça e sem criatividade, "O outro" ocupou o horário nobre da Globo entre março e outubro de 1987 sem cativar o espectador a ponto de tornar-se referência ou despertar saudades - e isso que foi substituída pela tenebrosa "Mandala", escrita por Dias Gomes e que tentou atualizar o mito de Édipo e Jocasta para o século XX. Marcando a volta de Francisco Cuoco às novelas depois de um afastamento de três anos - sua última atuação na TV havia sido em "Eu prometo", encerrada em 1984 e que foi o derradeiro trabalho da mestra Janete Clair - "O outro" usava o velho artifício da troca de sósias para misturar as vidas de um empresário milionário e o dono de um humilde ferro-velho depois de uma explosão em um posto de gasolina. Sem oferecer maiores novidades à plateia, Aguinaldo escreveu uma novela repleta de problemas de bastidores - a regravação de todo o trabalho do diretor Marcos Paulo, afastado por conflitos com outros profissionais; a dificuldade de escalar uma das atrizes principais (Glória Menezes e Vera Fischer recusaram o papel que acabou ficando com Natália do Valle); as críticas pela semelhança da trama principal com outras novelas mais antigas - que tampouco legou à história do gênero alguma personagem marcante: o mais próximo que chegou disso foi criar Glorinha da Abolição, uma hippie tardia que vendia artesanato na praia de Copacabana e que, na atuação de Malu Mader, tornou-se a queridinha da audiência.
Porém, apesar de seus inúmeros defeitos, "O outro" tinha uma qualidade quase redentora: sua trilha sonora. Tanto a versão nacional, cuja capa estampava a então estreante Luma de Oliveira, quanto a internacional, com Malu Mader vestida de Glorinha da Abolição, apresentavam músicas que marcaram o final da década de 80 e que ilustravam com perfeição as cenas criadas pelo autor. O LP nacional já começava com um mestre: Gilberto Gil cantava "O mar de Copacabana", tema de Índia do Brasil (Yoná Magalhães, em papel escrito para Betty Faria), a gerente do ferro-velho de Denizard de Mattos (Cuoco) que não escondia a paixão pelo chefe. Maria Bethânia vinha logo em seguida com "Quero ficar com você", que embalava as cenas românticas de Laura (Natália do Valle), esposa do empresário Paulo Della Santa (novamente Cuoco) que estava com o casamento em crise na ocasião do acidente que quase matou seu marido. "O nosso amor a gente inventa", na voz de Cazuza, era a música-tema de Cíntia (Beth Goulart), filha mais velha de Paulo, e "Doublé de corpo", da banda Heróis da Resistência, ilustrava o dia-a-dia da modelo Dedé (Luma de Oliveira fazendo papel de filha de sua irmã mais velha, Ísis). "Esquece e vem", de Nico Rezende, era outra trilha sonora de Laura, dessa vez em sua relação com Denizard, que asssumia, desmemoriado, o lugar de Paulo na família do sósia. O lado A do disco acabava com Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros com a clássica "Kátia Flávia", cuja letra em ritmo acelerado servia de ponte entre as cenas, junto a imagens da praia que era cenário da trama central.
O lado B também não começava mal, com a bela "Amanhã é 23", interpretada por Kid Abelha e os Abóboras Selvagens e que identificava os dramas de Glorinha da Abolição. "Fogo de saudade", na voz de Beth Carvalho, era o tema de Agostinho (José Lewgoy), o velho pai de Paulo que encontrava na jovem hippie uma amizade inesperada. "O mundo é um moinho", clássico de Cartola, aparecia em cena através de Ney Matogrosso, e servia como tema para o mau-caráter João Silvério (Miguel Falabella), irmão de Laura que se envolvia com Cíntia mesmo contra a vontade do pai da jovem. "Quem me olha só", com o grupo Barão Vermelho, era a música do romance entre tapas e beijos do casal Genésio (José de Abreu forçando um caricato sotaque gaúcho) e Edwiges (Cláudia Raia em seu papel de menor destaque na televisão e imediatamente anterior à Tancinha de "Sassaricando", que a consagraria como comediante). Sandra Sá (antes de acrescentar o "de" em seu nome) comparecia com a linda "Retratos e canções", que tornou-se sucesso ao comentar o romance entre Zezinha (Cláudia Abreu em sua segunda novela e primeira do horário nobre) e Pedro Ernesto (Marcos Frota), filhos dos dois sósias que o destino (ou o roteiro de Aguinaldo) uniu em um romance problemático. A trilha nacional encerra com o tema de abertura da novela, "Flores em você", da banda Ira.
O disco internacional também tinha pérolas imperdíveis da década de 80. Começava com "Coming around again", tema do filme "A dificil arte de amar" que, na doce voz de Carly Simon, também servia para as cenas de Índia do Brasil. "Don't dream it's over", com Crowded House, era a música de Denizard em suas aventuras românticas e "The miracle of love", da banda Eurithmics (da diva Annie Lennox) embalava o romance entre Cíntia e João Silvério. Menos conhecidas, as canções "At the back of my heart" (M.C.R.) e "You're the voice" (John Farham) serviam para costurar as cenas da novela, mas a linda "Words get in the way", com Gloria Estephan & Miami Sound Machine servia para os dramas amorosos de Laura e "This love", do grupo Bad Company, para acompanhar Dedé e seu envolvimento com Benjamin (Flávio Galvão), um comportado pai de família que enlouquece com sua beleza jovem.
O lado B do disco abre com outro clássico: "Don't get me wrong", com The Pretenders, que servia para acompanhar Glorinha da Abolição e seus problemas pessoais e românticos. Tina Turner entrava em cena com "Two people" - tema de Zezinha e Pedro Ernesto. "Never gonna leave you" (Subject), e "Stay the night" (Benjamin Orr) não tinham personagem fixo, assim como a delicada "Foolish pride" (Sasha), porém, as duas últimas canções do disco embalaram muitas festinhas de garagem. "I'll be over you" (Toto) era a música do casal Genésio/Edwiges e "Thousand miles from home" (Jim Porto) enfatizava o tom misterioso de Gabriel (Herson Capri em papel criado para Marcos Paulo como forma de desagravo por sua saída da direção da novela e que foi recusado por ele).
Mesmo que seja uma novela que não deixou marcas ou lembranças positivas no telespectador, "O outro" valeu por sua trilha sonora, que reuniu grandes canções clássicas de seu tempo em um mesmo pacote. E de quebra tinha Malu Mader - no auge do sucesso - ilustrando uma das capas mais clássicas da história da Som Livre.
TRILHA NACIONAL
1. MAR DE COPACABANA - Gilberto Gil
2. QUERO FICAR COM VOCÊ - Maria Bethânia
3. O NOSSO AMOR A GENTE INVENTA - Cazuza
4. DOUBLÉ DE CORPO - Heróis da Resistência
5. ESQUECE E VEM - Nico Rezende
6. KÁTIA FLÁVIA - Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros
7. AMANHÃ É 23 - Kid Abelha e os Abóboras Selvagens
8. FOGO DE SAUDADE - Beth Carvalho
9. O MUNDO É UM MOINHO - Ney Matogrosso
10. QUEM ME OLHA SÓ - Barão Vermelho
11. RETRATOS E CANÇÕES - Sandra Sá
12. FLORES EM VOCÊ - Ira
TRILHA INTERNACIONAL
1. COMING AROUND AGAIN - Carly Simon
2. DON'T DREAM IT'S OVER - Crowded House
3. THE MIRACLE OF LOVE - Eurithmics
4. AT THE BACK OF MY HEART - M.C.R.
5. YOU'RE THE VOICE - John Farham
6. WORDS GET IN THE WAY - Gloria Estefan & The Miami Sound Machine
7. THIS LOVE - Bad Company
8. DON'T GET ME WRONG - The Pretenders
9. TWO PEOPLE - Tina Turner
10. NEVER GONNA LEAVE YOU - Subject
11. STAY THE NIGHT - Benjamin Orr
12. FOOLISH PRIDE - Sasha
13. I'LL BE OVER YOU - Toto
14. THOUSAND MILES FROM HOME - Jim Porto
Porém, apesar de seus inúmeros defeitos, "O outro" tinha uma qualidade quase redentora: sua trilha sonora. Tanto a versão nacional, cuja capa estampava a então estreante Luma de Oliveira, quanto a internacional, com Malu Mader vestida de Glorinha da Abolição, apresentavam músicas que marcaram o final da década de 80 e que ilustravam com perfeição as cenas criadas pelo autor. O LP nacional já começava com um mestre: Gilberto Gil cantava "O mar de Copacabana", tema de Índia do Brasil (Yoná Magalhães, em papel escrito para Betty Faria), a gerente do ferro-velho de Denizard de Mattos (Cuoco) que não escondia a paixão pelo chefe. Maria Bethânia vinha logo em seguida com "Quero ficar com você", que embalava as cenas românticas de Laura (Natália do Valle), esposa do empresário Paulo Della Santa (novamente Cuoco) que estava com o casamento em crise na ocasião do acidente que quase matou seu marido. "O nosso amor a gente inventa", na voz de Cazuza, era a música-tema de Cíntia (Beth Goulart), filha mais velha de Paulo, e "Doublé de corpo", da banda Heróis da Resistência, ilustrava o dia-a-dia da modelo Dedé (Luma de Oliveira fazendo papel de filha de sua irmã mais velha, Ísis). "Esquece e vem", de Nico Rezende, era outra trilha sonora de Laura, dessa vez em sua relação com Denizard, que asssumia, desmemoriado, o lugar de Paulo na família do sósia. O lado A do disco acabava com Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros com a clássica "Kátia Flávia", cuja letra em ritmo acelerado servia de ponte entre as cenas, junto a imagens da praia que era cenário da trama central.
O lado B também não começava mal, com a bela "Amanhã é 23", interpretada por Kid Abelha e os Abóboras Selvagens e que identificava os dramas de Glorinha da Abolição. "Fogo de saudade", na voz de Beth Carvalho, era o tema de Agostinho (José Lewgoy), o velho pai de Paulo que encontrava na jovem hippie uma amizade inesperada. "O mundo é um moinho", clássico de Cartola, aparecia em cena através de Ney Matogrosso, e servia como tema para o mau-caráter João Silvério (Miguel Falabella), irmão de Laura que se envolvia com Cíntia mesmo contra a vontade do pai da jovem. "Quem me olha só", com o grupo Barão Vermelho, era a música do romance entre tapas e beijos do casal Genésio (José de Abreu forçando um caricato sotaque gaúcho) e Edwiges (Cláudia Raia em seu papel de menor destaque na televisão e imediatamente anterior à Tancinha de "Sassaricando", que a consagraria como comediante). Sandra Sá (antes de acrescentar o "de" em seu nome) comparecia com a linda "Retratos e canções", que tornou-se sucesso ao comentar o romance entre Zezinha (Cláudia Abreu em sua segunda novela e primeira do horário nobre) e Pedro Ernesto (Marcos Frota), filhos dos dois sósias que o destino (ou o roteiro de Aguinaldo) uniu em um romance problemático. A trilha nacional encerra com o tema de abertura da novela, "Flores em você", da banda Ira.
O disco internacional também tinha pérolas imperdíveis da década de 80. Começava com "Coming around again", tema do filme "A dificil arte de amar" que, na doce voz de Carly Simon, também servia para as cenas de Índia do Brasil. "Don't dream it's over", com Crowded House, era a música de Denizard em suas aventuras românticas e "The miracle of love", da banda Eurithmics (da diva Annie Lennox) embalava o romance entre Cíntia e João Silvério. Menos conhecidas, as canções "At the back of my heart" (M.C.R.) e "You're the voice" (John Farham) serviam para costurar as cenas da novela, mas a linda "Words get in the way", com Gloria Estephan & Miami Sound Machine servia para os dramas amorosos de Laura e "This love", do grupo Bad Company, para acompanhar Dedé e seu envolvimento com Benjamin (Flávio Galvão), um comportado pai de família que enlouquece com sua beleza jovem.
O lado B do disco abre com outro clássico: "Don't get me wrong", com The Pretenders, que servia para acompanhar Glorinha da Abolição e seus problemas pessoais e românticos. Tina Turner entrava em cena com "Two people" - tema de Zezinha e Pedro Ernesto. "Never gonna leave you" (Subject), e "Stay the night" (Benjamin Orr) não tinham personagem fixo, assim como a delicada "Foolish pride" (Sasha), porém, as duas últimas canções do disco embalaram muitas festinhas de garagem. "I'll be over you" (Toto) era a música do casal Genésio/Edwiges e "Thousand miles from home" (Jim Porto) enfatizava o tom misterioso de Gabriel (Herson Capri em papel criado para Marcos Paulo como forma de desagravo por sua saída da direção da novela e que foi recusado por ele).
Mesmo que seja uma novela que não deixou marcas ou lembranças positivas no telespectador, "O outro" valeu por sua trilha sonora, que reuniu grandes canções clássicas de seu tempo em um mesmo pacote. E de quebra tinha Malu Mader - no auge do sucesso - ilustrando uma das capas mais clássicas da história da Som Livre.
TRILHA NACIONAL
1. MAR DE COPACABANA - Gilberto Gil
2. QUERO FICAR COM VOCÊ - Maria Bethânia
3. O NOSSO AMOR A GENTE INVENTA - Cazuza
4. DOUBLÉ DE CORPO - Heróis da Resistência
5. ESQUECE E VEM - Nico Rezende
6. KÁTIA FLÁVIA - Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros
7. AMANHÃ É 23 - Kid Abelha e os Abóboras Selvagens
8. FOGO DE SAUDADE - Beth Carvalho
9. O MUNDO É UM MOINHO - Ney Matogrosso
10. QUEM ME OLHA SÓ - Barão Vermelho
11. RETRATOS E CANÇÕES - Sandra Sá
12. FLORES EM VOCÊ - Ira
TRILHA INTERNACIONAL
1. COMING AROUND AGAIN - Carly Simon
2. DON'T DREAM IT'S OVER - Crowded House
3. THE MIRACLE OF LOVE - Eurithmics
4. AT THE BACK OF MY HEART - M.C.R.
5. YOU'RE THE VOICE - John Farham
6. WORDS GET IN THE WAY - Gloria Estefan & The Miami Sound Machine
7. THIS LOVE - Bad Company
8. DON'T GET ME WRONG - The Pretenders
9. TWO PEOPLE - Tina Turner
10. NEVER GONNA LEAVE YOU - Subject
11. STAY THE NIGHT - Benjamin Orr
12. FOOLISH PRIDE - Sasha
13. I'LL BE OVER YOU - Toto
14. THOUSAND MILES FROM HOME - Jim Porto
domingo, 25 de janeiro de 2015
"IMPÉRIO": DE PROMESSA À DECEPÇÃO
Em julho o público noveleiro entusiasmou-se: depois de um longo inverno em que teve que aturar as viagens megalomaníacas de "Salve Jorge", o texto paupérrimo e as cenas de um programa ruim de humor de "Amor à vida" e a pasmaceira fora da realidade de "Em família", parecia que enfim uma novela de verdade estava prestes a começar. Os primeiros capítulos de "Império" prometiam: um ritmo ágil, bom texto, atores a serviço de bons personagens e uma passagem de tempo que não tratou o espectador como burro encheram o peito da audiência de esperança. Então, apesar de algumas tramas paralelas que pareciam interessantes, a história começou a patinar. Patinou, patinou e chegou a seu sexto mês de exibição cansada. Agora que seu autor Aguinaldo Silva resolveu realmente dedicar seu tempo a contar a história do Comendador José Alfredo - a espinha dorsal da novela, afinal de contas - talvez seja tarde demais para recuperar a paciência do público. Repleto de personagens maniqueístas, preconceito e histórias requentadas das novelas anteriores do mesmo autor, "Império" também não mostrou a que veio. É mais uma novela que é muito melhor na mente egocêntrica de seu criador do que na telinha da TV.
A novela, como afirmado anteriormente, começou bem. Aguinaldo Silva, apesar de tudo, é um autor experiente e sabe como expor suas tramas e construir seus personagens de modo a interligá-los de maneira inteligente, além de ser um exímio construtor de diálogos - ninguém que é co-autor de "Roque Santeiro" e "Vale tudo" e autor principal de "Tieta" pode ser acusado de não saber escrever um bom texto teledramatúrgico. O problema é que, com o passar do tempo, os (muitos) defeitos da novela acabaram por chamar mais a atenção do que suas (poucas mas sólidas) qualidades. Então o show de Alexandre Nero no papel principal foi eclipsado pelo overacting insuportável de Paulo Betti como Theo Pereira - personagem que é uma espécie de alter-ego do autor mas cujo histrionismo afetado às raias do exagero não apenas lembra o tenebroso Crô de Marcelo Serrado em "Fina estampa" (02), do mesmo Aguinaldo, como também presta um desserviço inominável às conquistas da comunidade gay que a própria Globo havia conquistado com o beijo entre Mateus Solano e Thiago Fragoso em "Amor à vida". A subtrama chatíssima do pintor Salvador (Paulo Vilhena imitando Brad Pitt em "Os 12 macacos") diminiu o tempo em cena dos sensacionais Magnólia e Severo (Zezé Polessa e Tato Gabus). Os personagens gays de repente não mais o eram (a Xana de Ailton Graça esqueceu que era apaixonado por Elivaldo - interpretado pela revelação Rafael Losso - e o Leo de Klebber Toledo começou a engraçar-se por Amanda, mais uma atuação sofrível de Adriana Biroli) e o homofóbico Enrico (Joaquim Lopes só não sendo pior em cena do que seu comparsa em destruir o restaurante que um dia foi seu) tornou-se também mau-caráter - assim como outros quase figurantes que, de uma hora pra outra, foram para o lado negro da força sem explicações plausíveis.
Aliás, explicações plausíveis são artigo raro em "Império". A sensacional Drica Moraes saiu do elenco por motivos de saúde e, para surpresa geral, sua personagem não morreu: fez uma cirurgia plástica muito mal explicada e ressurgiu na pele de Marjorie Estiano - alguns espectadores acharam a ideia criativa, outros bem mais numerosos abandonaram a trama de vez depois desse absurdo. Maria Clara, a personagem de Andréia Horta, repentinamente se voltou contra o pai, se unindo aos irmãos na disputa cega pelo poder e perdendo a consistência da personagem - a única que mantinha uma relação de amor paternal na trama. O pintor Salvador iniciou um romance inesperado com Helena (Júlia Fajardo, filha de José Mayer na vida real) mais por necessidade do autor em inventar mais uma história do que por coerência interna. E nem é preciso apontar a entrada do péssimo Carmo Dalla Vecchia no elenco como outro ponto negativo: basta relembrar todos os outros personagens vividos pelo ator para perceber o limite de seu talento. Limite, inclusive, é o que parece ter a imaginação de Aguinaldo Silva, que mais uma vez utiliza seu protagonista como tema de samba-enredo de uma escola de samba fictícia - como fez em "Senhora do destino".
Os erros de "Império" são inúmeros e poderiam render posts e posts. Não é necessário reiterar que Paulo Betti (na pior atuação de sua carreira), Leticia Birkheuer, Romulo Neto, Nanda Costa, Adriana Biroli, Carmo Dalla Vechhia, Joaquim Lopes e Marina Ruy Barbosa estão sofríveis, já que basta assistir a um capítulo para notar tal fato. Mas seria injustiça falar da novela sem louvar aqueles que tentam dar dignidade a ela, com trabalhos acima da média. Além dos já citados Alexandre Nero, Zezé Polessa e Tato Gabus, é preciso reconhecer que Suzy Rego está excelente em sua discrição, Marjorie Estiano está fazendo o possível para segurar um papel de coerência nula, Leandra Leal está muito bem como a heroína Cristina - apesar de seu personagem ter-se esvaziado, também - e a ótima Dani Barros rouba a cena como a sem-noção Lorraine. São eles que ainda fazem com que valha a pena perder alguns minutos diante da tv. Até que os coadjuvantes - numerosos e mal interpretados - estraguem tudo novamente. Que venha "Babilônia", do mestre Gilberto Braga.
A novela, como afirmado anteriormente, começou bem. Aguinaldo Silva, apesar de tudo, é um autor experiente e sabe como expor suas tramas e construir seus personagens de modo a interligá-los de maneira inteligente, além de ser um exímio construtor de diálogos - ninguém que é co-autor de "Roque Santeiro" e "Vale tudo" e autor principal de "Tieta" pode ser acusado de não saber escrever um bom texto teledramatúrgico. O problema é que, com o passar do tempo, os (muitos) defeitos da novela acabaram por chamar mais a atenção do que suas (poucas mas sólidas) qualidades. Então o show de Alexandre Nero no papel principal foi eclipsado pelo overacting insuportável de Paulo Betti como Theo Pereira - personagem que é uma espécie de alter-ego do autor mas cujo histrionismo afetado às raias do exagero não apenas lembra o tenebroso Crô de Marcelo Serrado em "Fina estampa" (02), do mesmo Aguinaldo, como também presta um desserviço inominável às conquistas da comunidade gay que a própria Globo havia conquistado com o beijo entre Mateus Solano e Thiago Fragoso em "Amor à vida". A subtrama chatíssima do pintor Salvador (Paulo Vilhena imitando Brad Pitt em "Os 12 macacos") diminiu o tempo em cena dos sensacionais Magnólia e Severo (Zezé Polessa e Tato Gabus). Os personagens gays de repente não mais o eram (a Xana de Ailton Graça esqueceu que era apaixonado por Elivaldo - interpretado pela revelação Rafael Losso - e o Leo de Klebber Toledo começou a engraçar-se por Amanda, mais uma atuação sofrível de Adriana Biroli) e o homofóbico Enrico (Joaquim Lopes só não sendo pior em cena do que seu comparsa em destruir o restaurante que um dia foi seu) tornou-se também mau-caráter - assim como outros quase figurantes que, de uma hora pra outra, foram para o lado negro da força sem explicações plausíveis.
Aliás, explicações plausíveis são artigo raro em "Império". A sensacional Drica Moraes saiu do elenco por motivos de saúde e, para surpresa geral, sua personagem não morreu: fez uma cirurgia plástica muito mal explicada e ressurgiu na pele de Marjorie Estiano - alguns espectadores acharam a ideia criativa, outros bem mais numerosos abandonaram a trama de vez depois desse absurdo. Maria Clara, a personagem de Andréia Horta, repentinamente se voltou contra o pai, se unindo aos irmãos na disputa cega pelo poder e perdendo a consistência da personagem - a única que mantinha uma relação de amor paternal na trama. O pintor Salvador iniciou um romance inesperado com Helena (Júlia Fajardo, filha de José Mayer na vida real) mais por necessidade do autor em inventar mais uma história do que por coerência interna. E nem é preciso apontar a entrada do péssimo Carmo Dalla Vecchia no elenco como outro ponto negativo: basta relembrar todos os outros personagens vividos pelo ator para perceber o limite de seu talento. Limite, inclusive, é o que parece ter a imaginação de Aguinaldo Silva, que mais uma vez utiliza seu protagonista como tema de samba-enredo de uma escola de samba fictícia - como fez em "Senhora do destino".
Os erros de "Império" são inúmeros e poderiam render posts e posts. Não é necessário reiterar que Paulo Betti (na pior atuação de sua carreira), Leticia Birkheuer, Romulo Neto, Nanda Costa, Adriana Biroli, Carmo Dalla Vechhia, Joaquim Lopes e Marina Ruy Barbosa estão sofríveis, já que basta assistir a um capítulo para notar tal fato. Mas seria injustiça falar da novela sem louvar aqueles que tentam dar dignidade a ela, com trabalhos acima da média. Além dos já citados Alexandre Nero, Zezé Polessa e Tato Gabus, é preciso reconhecer que Suzy Rego está excelente em sua discrição, Marjorie Estiano está fazendo o possível para segurar um papel de coerência nula, Leandra Leal está muito bem como a heroína Cristina - apesar de seu personagem ter-se esvaziado, também - e a ótima Dani Barros rouba a cena como a sem-noção Lorraine. São eles que ainda fazem com que valha a pena perder alguns minutos diante da tv. Até que os coadjuvantes - numerosos e mal interpretados - estraguem tudo novamente. Que venha "Babilônia", do mestre Gilberto Braga.
terça-feira, 13 de janeiro de 2015
MARIETA SEVERO - A DAMA DO TEATRO E SUAS AVENTURAS NA TV
Para toda uma nova geração, que desconhece sua vasta e brilhante experiência em teatro, que vai desde sua colaboração com o ex-marido Chico Buarque em "Roda viva" e "Ópera do malandro" até seu encontro com Andréa Beltrão na fundação do Teatro Poeira e na peça "As centenárias", de Newton Moreno e a premiada montagem de "Incêndios" - passando pelo casamento profissional com o dramaturgo Naum Alves de Souza em quatro peças nos anos 80 - Marieta Severo vai ser conhecida sempre como Dona Nenê, a matriarca que interpretou de 2001 a 2014 na segunda versão da série "A grande família". É uma pena, no entanto, que uma atriz de sua estatura, capaz de saltar do humor mais sofisticado ao drama mais devastador em poucos minutos, tenha que ficar marcada por um papel tão pouco desafiador. Hoje com 68 anos de idade, Marieta tem uma carreira extraordinária em todos os veículos possíveis - no cinema marcou presença nos clássicos setentistas "Chuvas de verão" e "Bye bye, Brasil", de Cacá Diegues, no drama familiar "Com licença, eu vou à luta", de Lui Faria e como Lucinha Araújo em "Cazuza, o tempo não para", de Walter Carvalho e Sandra Werneck - isso sem mencionar "Carlota Joaquina, princesa do Brazil", de Carla Camuratti, considerado o marco inicial da retomada do cinema nacional que vem se mantendo até hoje. E na televisão, fez parte de alguns dos grandes sucessos de audiência da Globo, intercalando humor e sensibilidade sempre com uma dose inegável de charme.
Sua estreia na Globo se deu quando ela ainda não tinha completado vinte anos. Em "O Sheik de Agadir" (66), da cubana Gloria Magadan, ela deu vida à Éden, uma princesa árabe que, apesar do aspecto frágil, se revelava, no final, uma assassina cruel que eliminava suas vítimas enforcadas - coisas absurdas que Magadan fazia constantemente. O exílio voluntário ao lado de Chico em 1969 - que a fez dar à luz à sua filha Sílvia (que também se tornaria atriz) na Itália - também a manteve afastada da TV por uma longa década. Seu retorno aconteceu na minissérie "Bandidos da falange", de Aguinaldo Silva e Doc Comparato, em 1983, mesmo ano em que viveu Dinah, uma das suspeitas de um crime do passado na novela "Champagne", de Cassiano Gabus Mendes - era divertidíssimo testemunhar seus embates com o filho Greg (Cássio Gabus Mendes), que voltava da Europa como punk nos primórdios do movimento no Brasil. Em 1984, exercitando sua veia cômica, ela interpretou Catarina, a filha mais velha do empresário interpretado por Walmor Chagas na novela "Vereda tropical", de Carlos Lombardi. Seu dueto com Maria Zilda - que vivia sua irmã Verônica - era impagável e, sob a direção de Guel Arraes (que viria a dirigí-la em episódios da série "A comédia da vida privada", nos anos 90) ela mostrou que sabia ser engraçada.
Em 1985, Marieta voltou a trabalhar com Cassiano Gabus Mendes na primeira versão de "Ti-ti-ti", novamente como a mãe do filho do autor. Ela era Suzana, a ex-mulher de Ariclenes (Luiz Gustavo), que vivia uma relação de carinho com o pai de seu filho Luti (no remake de 2000 o papel foi de Malu Mader, que nessa versão interpretava Valquíria, namorada do rapaz). Sua volta às telinhas se deu quatro anos mais tarde, mais uma vez com o genial texto de Cassiano. Em "Que rei sou eu?", ela mostrava seu lado político e ativista na pele de Madeleine de Bergeron, a pré-feminista que colocava fogo no reino de Avilan com seus escritos conclamando as mulheres a lutarem por seus direitos e que lutava contra a própria rainha Valentine (Tereza Rachel) para manter ao seu lado o marido (Daniel Filho), conselheiro da moeda do país em crise.
O horário das 19h manteve Marieta em 1992, mas dessa vez em um papel bastante diferente. Em "Deus nos acuda", de Sílvio de Abreu, ela deu vida à Elvira, a vilã da história, e mostrou que quando má ela era ainda melhor do que quando era heroína. Gilberto Braga - o autor que melhor sabe criar vilões na tv brasileira - aproveitou a deixa e deu a ela a pérfida Loreta Pellegrini em sua novela seguinte, "Pátria minha" (94), que infelizmente não se tornou o sucesso esperado. Mesmo assim, Marieta não deixou a peteca cair e roubava cada cena em que aparecia. Depois desse espetáculo particular, o público só foi reencontrar Marieta em seis anos, como Alma, a possessiva tia de Edu (Reynaldo Giannechini), na novela "Laços de família". Sua personagem, que era casada com o mulherengo Alexandre Borges, acabava surpreendendo a audiência no final da trama, quando adota os gêmeos que o marido tem com a empregada doméstica que morre no parto - cenas emocionantes que lhe proporcionaram um prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte. Um dia após o final das gravações, Marieta já encarnava Dona Nenê e o resto é história...
Dispensada do papel que lhe fez companhia por mais de dez anos, Marieta Severo está sendo cogitada para integrar o elenco do próximo trabalho de Walcyr Carrasco (Deus nos defenda). A novela talvez não vá ser grande coisa - o currículo do autor não é empolgante - mas vê-la diariamente nas telinhas esbanjando talento será um enorme prazer.
Sua estreia na Globo se deu quando ela ainda não tinha completado vinte anos. Em "O Sheik de Agadir" (66), da cubana Gloria Magadan, ela deu vida à Éden, uma princesa árabe que, apesar do aspecto frágil, se revelava, no final, uma assassina cruel que eliminava suas vítimas enforcadas - coisas absurdas que Magadan fazia constantemente. O exílio voluntário ao lado de Chico em 1969 - que a fez dar à luz à sua filha Sílvia (que também se tornaria atriz) na Itália - também a manteve afastada da TV por uma longa década. Seu retorno aconteceu na minissérie "Bandidos da falange", de Aguinaldo Silva e Doc Comparato, em 1983, mesmo ano em que viveu Dinah, uma das suspeitas de um crime do passado na novela "Champagne", de Cassiano Gabus Mendes - era divertidíssimo testemunhar seus embates com o filho Greg (Cássio Gabus Mendes), que voltava da Europa como punk nos primórdios do movimento no Brasil. Em 1984, exercitando sua veia cômica, ela interpretou Catarina, a filha mais velha do empresário interpretado por Walmor Chagas na novela "Vereda tropical", de Carlos Lombardi. Seu dueto com Maria Zilda - que vivia sua irmã Verônica - era impagável e, sob a direção de Guel Arraes (que viria a dirigí-la em episódios da série "A comédia da vida privada", nos anos 90) ela mostrou que sabia ser engraçada.
Em 1985, Marieta voltou a trabalhar com Cassiano Gabus Mendes na primeira versão de "Ti-ti-ti", novamente como a mãe do filho do autor. Ela era Suzana, a ex-mulher de Ariclenes (Luiz Gustavo), que vivia uma relação de carinho com o pai de seu filho Luti (no remake de 2000 o papel foi de Malu Mader, que nessa versão interpretava Valquíria, namorada do rapaz). Sua volta às telinhas se deu quatro anos mais tarde, mais uma vez com o genial texto de Cassiano. Em "Que rei sou eu?", ela mostrava seu lado político e ativista na pele de Madeleine de Bergeron, a pré-feminista que colocava fogo no reino de Avilan com seus escritos conclamando as mulheres a lutarem por seus direitos e que lutava contra a própria rainha Valentine (Tereza Rachel) para manter ao seu lado o marido (Daniel Filho), conselheiro da moeda do país em crise.
O horário das 19h manteve Marieta em 1992, mas dessa vez em um papel bastante diferente. Em "Deus nos acuda", de Sílvio de Abreu, ela deu vida à Elvira, a vilã da história, e mostrou que quando má ela era ainda melhor do que quando era heroína. Gilberto Braga - o autor que melhor sabe criar vilões na tv brasileira - aproveitou a deixa e deu a ela a pérfida Loreta Pellegrini em sua novela seguinte, "Pátria minha" (94), que infelizmente não se tornou o sucesso esperado. Mesmo assim, Marieta não deixou a peteca cair e roubava cada cena em que aparecia. Depois desse espetáculo particular, o público só foi reencontrar Marieta em seis anos, como Alma, a possessiva tia de Edu (Reynaldo Giannechini), na novela "Laços de família". Sua personagem, que era casada com o mulherengo Alexandre Borges, acabava surpreendendo a audiência no final da trama, quando adota os gêmeos que o marido tem com a empregada doméstica que morre no parto - cenas emocionantes que lhe proporcionaram um prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte. Um dia após o final das gravações, Marieta já encarnava Dona Nenê e o resto é história...
Dispensada do papel que lhe fez companhia por mais de dez anos, Marieta Severo está sendo cogitada para integrar o elenco do próximo trabalho de Walcyr Carrasco (Deus nos defenda). A novela talvez não vá ser grande coisa - o currículo do autor não é empolgante - mas vê-la diariamente nas telinhas esbanjando talento será um enorme prazer.
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