segunda-feira, 20 de abril de 2015

"BABILÔNIA" É A MELHOR NOVELA DA GLOBO EM ANOS

Tendo ultrapassado a barreira dos trinta primeiros capítulos, a novela "Babilônia" - que já estreou sob uma saraivada de pedras atiradas por políticos oportunistas, pastores evangélicos hipócritas e preconceituosos de todos os formatos (não por acaso todos retratados sob viés crítico no roteiro) - ainda não atingiu os índices de audiência esperados pela Rede Globo que, burramente, já providenciou grupos de discussão (também conhecidos como reuniões para desocupados cuja referência em qualidade dramatúrgica é "O direito de nascer") para alterar a trama prevista na sinopse dos autores. Isso quer dizer, em poucas palavras, que boa parte do que faz a novela ser tão boa está com os dias contados, e o que poderia ser um marco contra a intolerância e o retrocesso social periga tornar-se apenas mais uma novela das 21h. Para sorte de todos os telespectadores de bom gosto, porém, existe o consolo de que a pior novela de Gilberto Braga (o que não é o caso aqui) é mil vezes superior à melhor de Aguinaldo Silva - e é sintomático que a antecessora de "Babilônia", a tenebrosa "Império", tenha sido escrita por ele, que em bons tempos, colaborou com Braga na melhor novela de todos os tempos, a insuperável "Vale tudo", também co-escrita por Leonor Bassères.

Em seu primeiro mês no ar, "Babilônia" já foi acusada de tudo pelos detratores, desde tentar destruir a tradicional família brasileira - aquela mesma que nem se abalou quando um filho matou o pai pelas costas na novela anterior ou que achava normal o troca-troca de casais de "Amor à vida", atrocidade cometida por Walcyr Carrasco pouco antes - até de ter uma mocinha chata - como se a Morena de "Salve Jorge" e a Paloma da novela de Carrasco fossem exemplos de protagonistas empolgantes (e vale lembrar que Nanda Costa e Paolla Oliveira, suas intérpretes, não chegam aos pés do talento de Camila Pitanga, a heroína da atual produção global. O que esses críticos talvez não percebam - ou não queiram perceber, já que muitas vezes a ideologia política os cega às qualidades artísticas dos produtos globais - é que, em termos dramatúrgicos, a trama escrita por Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga é a mais inteligente a surgir nas telinhas desde o final de "Avenida Brasil", de João Emmanuel Carneiro - que acabou no primeiro semestre de 2013, ou seja, há longínquos dois anos. Bem escrita, bem dirigida, visualmente atraente e com um elenco acima de qualquer crítica (salvo exceções), "Babilônia" é um novelão que merece conquistar sua audiência - mesmo que, para isso, tenha que, infelizmente, alterar algumas de suas histórias originais.


O que provavelmente mais incomoda aos telespectadores que abandonaram a Globo no horário nobre - há que se levar em consideração também a concorrência da Internet, transmissões em streaming, canais a cabo, etc - é o fato de que suas duas protagonistas - a Beatriz de Glória Pires e a Inês de Adriana Esteves (ambas excelentes) - não são exemplos a serem seguidos. Beatriz é uma devoradora de homens, trai o marido sem pena nem dó, desvia dinheiro de sua empreiteira e só agora parece estar no caminho de mudar sua rotina de manda-chuva, ao se envolver com Diogo (Thiago Martins), o jovem atleta patrocinado pela empresa da família. E Inês recentemente colocou as cartas na mesa para o telespectador, anunciando uma vingança contra a ex-melhor amiga de adolescência - uma vingança, aliás, semelhante àquela que Laura (Cláudia Abreu) tramou contra Maria Clara Diniz (Malu Mader) em "Celebridade", que Braga escreveu em 2003. A batalha entre as duas é a base da novela - olho por olho, dente por dente - e quem foge desses desvios de caráter é a terceira personagem central, Regina (Camila Pitanga), que batalha para criar a filha pequena e sobreviver de forma honesta. É surpreendente e paradoxal que o público rejeite Inês e Beatriz porque elas são "do mal" e pouco se importe com Regina porque "ela é chata". Povinho difícil de agradar!

E nem vou entrar no mérito das polêmicas levantadas nesse primeiro mês - aliás, primeiro capítulo, que mostrou, para o choque das senhoras de Santana, um beijo na boca entre duas mulheres. Se tivesse sido um beijo entre dois símbolos sexuais de peitos inchados de silicone, provavelmente a reação seria entusiástica. Mas não foi. Quem se beijou foram duas mulheres de 80 anos, que vivem uma relação estável há 35 e se amam - e são vividas por dois monumentos das artes cênicas nacionais, Fernanda Montenegro e Nathalia Thimberg. O resultado? Gritaria geral por parte dos conservadores - inclusive políticos cujos nomes estão envolvidos em escândalos de corrupção. E políticos corruptos também não faltam na novela, representados pelo demagogo Aderbal Pimenta (Marcos Palmeira em sua melhor atuação em muito tempo), que nas horas vagas invoca o nome de Deus para justificar seus preconceitos - assim como sua mãe, vivida por uma excelente Arlete Salles, que não hesita em disparar barbaridades contra gays, ateus e quem mais cruzar seu caminho sem compactuar com suas ideias retrógradas. Não é à toa a baixa audiência! Quem é que gosta de se ver ridicularizado em horário nobre?

"Babilônia", reitero, é uma grande novela. Tem personagens bem delineados, tramas bem amarradas, ideias muito inteligentes, uma trilha sonora que é um respiro frente aos funks, sertanejos e pagodes enfiados garganta adentro pelos programas de auditório e um elenco fascinante recitando diálogos que soam como música. É um presente ver, diariamente, nomes como Fernanda Montenegro, Nathalia Thimberg, Glória Pires, Adriana Esteves, Cássio Gabus Mendes, Arlete Salles, Bruno Gagliasso e Débora Duarte - entre vários outros atores e atrizes de experiências variadas. É de graça. Massageia o cérebro - dentro dos limites do que pode fazer uma simples telenovela - e entretém. Como assim tem gente que ainda preferia estar assistindo àquela bobagem que era transmitida antes???