sexta-feira, 13 de março de 2015

TRILHAS SONORAS INESQUECÍVEIS - O OUTRO

A novela, como todas as escritas por Aguinaldo Silva, com exceção de "Vale tudo" (88) - co-escrita por Gilberto Braga e Leonor Bassères - e "Tieta" (89), era um lixo. Chata, sem personalidade, com personagens rasos e uma trama central pra lá de batida contada com preguiça e sem criatividade, "O outro" ocupou o horário nobre da Globo entre março e outubro de 1987 sem cativar o espectador a ponto de tornar-se referência ou despertar saudades - e isso que foi substituída pela tenebrosa "Mandala", escrita por Dias Gomes e que tentou atualizar o mito de Édipo e Jocasta para o século XX. Marcando a volta de Francisco Cuoco às novelas depois de um afastamento de três anos - sua última atuação na TV havia sido em "Eu prometo", encerrada em 1984 e que foi o derradeiro trabalho da mestra Janete Clair - "O outro" usava o velho artifício da troca de sósias para misturar as vidas de um empresário milionário e o dono de um humilde ferro-velho depois de uma explosão em um posto de gasolina. Sem oferecer maiores novidades à plateia, Aguinaldo escreveu uma novela repleta de problemas de bastidores - a regravação de todo o trabalho do diretor Marcos Paulo, afastado por conflitos com outros profissionais; a dificuldade de escalar uma das atrizes principais (Glória Menezes e Vera Fischer recusaram o papel que acabou ficando com Natália do Valle); as críticas pela semelhança da trama principal com outras novelas mais antigas - que tampouco legou à história do gênero alguma personagem marcante: o mais próximo que chegou disso foi criar Glorinha da Abolição, uma hippie tardia que vendia artesanato na praia de Copacabana e que, na atuação de Malu Mader, tornou-se a queridinha da audiência.

Porém, apesar de seus inúmeros defeitos, "O outro" tinha uma qualidade quase redentora: sua trilha sonora. Tanto a versão nacional, cuja capa estampava a então estreante Luma de Oliveira, quanto a internacional, com Malu Mader vestida de Glorinha da Abolição, apresentavam músicas que marcaram o final da década de 80 e que ilustravam com perfeição as cenas criadas pelo autor. O LP nacional já começava com um mestre: Gilberto Gil cantava "O mar de Copacabana", tema de Índia do Brasil (Yoná Magalhães, em papel escrito para Betty Faria), a gerente do ferro-velho de Denizard de Mattos (Cuoco) que não escondia a paixão pelo chefe. Maria Bethânia vinha logo em seguida com "Quero ficar com você", que embalava as cenas românticas de Laura (Natália do Valle), esposa do empresário Paulo Della Santa (novamente Cuoco) que estava com o casamento em crise na ocasião do acidente que quase matou seu marido. "O nosso amor a gente inventa", na voz de Cazuza, era a música-tema de Cíntia (Beth Goulart), filha mais velha de Paulo, e "Doublé de corpo", da banda Heróis da Resistência, ilustrava o dia-a-dia da modelo Dedé (Luma de Oliveira fazendo papel de filha de sua irmã mais velha, Ísis). "Esquece e vem", de Nico Rezende, era outra trilha sonora de Laura, dessa vez em sua relação com Denizard, que asssumia, desmemoriado, o lugar de Paulo na família do sósia. O lado A do disco acabava com Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros com a clássica "Kátia Flávia", cuja letra em ritmo acelerado servia de ponte entre as cenas, junto a imagens da praia que era cenário da trama central.

O lado B também não começava mal, com a bela "Amanhã é 23", interpretada por Kid Abelha e os Abóboras Selvagens e que identificava os dramas de Glorinha da Abolição. "Fogo de saudade", na voz de Beth Carvalho, era o tema de Agostinho (José Lewgoy), o velho pai de Paulo que encontrava na jovem hippie uma amizade inesperada. "O mundo é um moinho", clássico de Cartola, aparecia em cena através de Ney Matogrosso, e servia como tema para o mau-caráter João Silvério (Miguel Falabella), irmão de Laura que se envolvia com Cíntia mesmo contra a vontade do pai da jovem. "Quem me olha só", com o grupo Barão Vermelho, era a música do romance entre tapas e beijos do casal Genésio (José de Abreu forçando um caricato sotaque gaúcho) e Edwiges (Cláudia Raia em seu papel de menor destaque na televisão e imediatamente anterior à Tancinha de "Sassaricando", que a consagraria como comediante). Sandra Sá (antes de acrescentar o "de" em seu nome) comparecia com a linda "Retratos e canções", que tornou-se sucesso ao comentar o romance entre Zezinha (Cláudia Abreu em sua segunda novela e primeira do horário nobre) e Pedro Ernesto (Marcos Frota), filhos dos dois sósias que o destino (ou o roteiro de Aguinaldo) uniu em um romance problemático. A trilha nacional encerra com o tema de abertura da novela, "Flores em você", da banda Ira.

O disco internacional também tinha pérolas imperdíveis da década de 80. Começava com "Coming around again", tema do filme "A dificil arte de amar" que, na doce voz de Carly Simon, também servia para as cenas de Índia do Brasil. "Don't dream it's over", com Crowded House, era a música de Denizard em suas aventuras românticas e "The miracle of love", da banda Eurithmics (da diva Annie Lennox) embalava o romance entre Cíntia e João Silvério. Menos conhecidas, as canções "At the back of my heart" (M.C.R.) e "You're the voice" (John Farham) serviam para costurar as cenas da novela, mas a linda "Words get in the way", com Gloria Estephan & Miami Sound Machine servia para os dramas amorosos de Laura e "This love", do grupo Bad Company, para acompanhar Dedé e seu envolvimento com Benjamin (Flávio Galvão), um comportado pai de família que enlouquece com sua beleza jovem.

O lado B do disco abre com outro clássico: "Don't get me wrong", com The Pretenders, que servia para acompanhar Glorinha da Abolição e seus problemas pessoais e românticos. Tina Turner entrava em cena com "Two people" - tema de Zezinha e Pedro Ernesto. "Never gonna leave you" (Subject), e "Stay the night" (Benjamin Orr) não tinham personagem fixo, assim como a delicada "Foolish pride" (Sasha), porém, as duas últimas canções do disco embalaram muitas festinhas de garagem. "I'll be over you" (Toto) era a música do casal Genésio/Edwiges e "Thousand miles from home" (Jim Porto) enfatizava o tom misterioso de Gabriel (Herson Capri em papel criado para Marcos Paulo como forma de desagravo por sua saída da direção da novela e que foi recusado por ele).

Mesmo que seja uma novela que não deixou marcas ou lembranças positivas no telespectador, "O outro" valeu por sua trilha sonora, que reuniu grandes canções clássicas de seu tempo em um mesmo pacote. E de quebra tinha Malu Mader - no auge do sucesso - ilustrando uma das capas mais clássicas da história da Som Livre.


TRILHA NACIONAL

1. MAR DE COPACABANA - Gilberto Gil
2. QUERO FICAR COM VOCÊ - Maria Bethânia
3. O NOSSO AMOR A GENTE INVENTA - Cazuza
4. DOUBLÉ DE CORPO - Heróis da Resistência
5. ESQUECE E VEM - Nico Rezende
6. KÁTIA FLÁVIA - Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros
7. AMANHÃ É 23 - Kid Abelha e os Abóboras Selvagens
8. FOGO DE SAUDADE - Beth Carvalho
9. O MUNDO É UM MOINHO - Ney Matogrosso
10. QUEM ME OLHA SÓ - Barão Vermelho
11. RETRATOS E CANÇÕES - Sandra Sá
12. FLORES EM VOCÊ - Ira


TRILHA INTERNACIONAL

1. COMING AROUND AGAIN - Carly Simon
2. DON'T DREAM IT'S OVER - Crowded House
3. THE MIRACLE OF LOVE - Eurithmics
4. AT THE BACK OF MY HEART - M.C.R.
5. YOU'RE THE VOICE - John Farham
6. WORDS GET IN THE WAY - Gloria Estefan & The Miami Sound Machine
7. THIS LOVE - Bad Company
8. DON'T GET ME WRONG - The Pretenders
9. TWO PEOPLE - Tina Turner
10. NEVER GONNA LEAVE YOU - Subject
11. STAY THE NIGHT - Benjamin Orr
12. FOOLISH PRIDE - Sasha
13. I'LL BE OVER YOU - Toto
14. THOUSAND MILES FROM HOME - Jim Porto

Um comentário:

  1. Que delícia ler isso justamente hoje que bateu uma nostalgia.hahahaha.
    Adoro essas trilhas e as tenho com muito carinho em casa.
    Ótimo ter encontrado esse blog e lerei mais artigos que estão postados. Abraço!

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